sexta-feira, 26 de março de 2010

A história de Zuzu Angel


Ela foi a primeira a criar uma moda brasileira ao colocar rendas, estampas e bordados típicos do país nas peças. Além disso, usou os seus vestidos para denunciar os abusos da ditadura

A moda de Zuzu, repleta de brasilidade, era usada por mulheres que faziam a linha alternativa. Em 1970, ela conquistou as nova-iorquinas

A estilista Zuzu Angel foi uma transgressora. Numa época em que a moda era importada de Paris, ela foi na contramão ao criar roupas originais e com toques de brasilidade - modernas até hoje. O talento da costureira virou profissão mesmo só na metade dos anos 1950, quando Zuzu abriu seu primeiro ateliê. A amizade de uma tia com Sarah Kubitschek, então a primeira-dama, a ajudou a ganhar clientela. A ousadia veio aos poucos. Começou com saias feitas com tecidos de colchão, que primeiro escandalizaram e depois encantaram as mulheres. O primeiro sopro de Brasil surgiu na metade dos anos 1960, quando tingiu rendas no mesmo tom de tecidos nobres e aplicou-as em roupas. Até então, o material era usado em panos de cozinha. "Foi um escândalo", lembra a jornalista Hildegard Angel, filha da estilista. E Zuzu não parou por aí. Fez vestidos com cobre-mesa de renda renascença, com chita e uma noiva com calças compridas! Estampas e bordados com pássaros, papagaios e outros motivos tropicais se tornaram a marca registrada da sua moda. A originalidade e a amizade com a atriz Joan Crawford levaram Zuzu a fazer o seu primeiro desfile internacional na loja Bergdorf Goodman, Nova York, em 1970. Lá, ela apresentou três coleções: Mulher Rendeira, Maria Bonita, com peças e acessórios inspirados na companheira de Lampião, e Carmem Miranda, que mostrava uma mulher muito sensual. Foi um sucesso e várias atrizes, como Liza Minnelli, viraram fã. "Zuzu Angel é a cara dos anos 1970.


A estamparia, uma marca registrada de Zuzu Angel, era usada nos anos 1970 para fazer denúncia social. A estilista se apropriou com maestria da linguagem e chamou a atenção sobre os excessos do governo militar

Ela conseguiu retratar um tempo por meio de suas cores e estampas", diz João Braga, professor de história da moda. "Mas a sua importância não é apenas estética mas também histórica. Ela foi a primeira a associar o discurso político à moda." O tal desfile-protesto aconteceu em 1971, no Consulado do Brasil em Nova York. Zuzu estava arrasada com a morte do filho, Stuart, provocada pelos militares e aproveitou o evento para denunciá-la. As roupas dessa coleção eram brancas e bordadas com anjos machucados, pombas negras, tanques de guerra. As modelos usavam faixas de luto e andavam como se estivessem em um cortejo fúnebre. Os anjinhos acabaram virando uma espécie de símbolo contra a ditadura. Por isso, a estilista virou um alvo fácil dos militares e acabou morrendo em1976 em um acidente de carro, que mais tarde provou-se ser um atentado. "Minha função nessa história foi preservar a imagem da minha mãe e do meu irmão", diz Hidelgard, que fundou o Instituto Zuzu Angel, no Rio, que forma profissionais para a área de moda. Hildegard está preparando um livro sobre a estilista para o próximo ano e estuda o relançamento da grife. A prova de que Zuzu continua atual está no estilo artesanal, que voltou com tudo à moda. A partir da pág. 58 você vê modelos que são réplicas de peças da estilista e uma do mineiro Ronaldo Fraga, da coleção Quem Matou Zuzu Angel, do verão de 2001/2002.

Na tela grande

Zuzu Angel escandalizou ao criar a coleção Mulher Rendeira, que misturava renda com tecidos nobres. Até então esse material era usado apenas como enfeite de pano de prato

A vida da estilista, que, segundo a filha Hildegard, foi do musical hollywoodiano à tragédia grega, virou filme. Zuzu Angel, de Sergio Rezende, entrou em cartaz em todo o país este mês e vai contar essa história. Patrícia Pillar e Daniel Oliveira são os protagonistas da trama, que é uma boa oportunidade de conhecer melhor uma página da história do Brasil. Quem gosta de moda também vai se deliciar com o figurino. Kika Lopes, responsável pelo guarda-roupa, recriou várias estampas de Zuzu para fazer os vestidos apresentados em cenas dos desfiles. "É só esse momento que temos cópias dos originais", diz ela. Os outros personagens usam peças criadas por Kika. Preste atenção no vestido que Patrícia Pillar usa na cena do casamento de Stuart, pois aquele é o único original. "Achamos o modelo em um brechó e até demos de presente para Patrícia", diz Kika.



Zuzu Angel foi uma mulher pioneira. Foi a primeira estilista a usar o artesanato brasileiro em suas criações e a exportá-las. Sua carreira, que estava no auge, foi interrompida por uma tragédia. Stuart Angel, seu filho, foi preso, torturado e morto pelo governo militar. A partir daí, ela fez da sua dor uma bandeira contra os exageros da ditadura, associando moda à política. Virou alvo fácil e acabou vítima dos mesmos algozes do filho. Ela morreu vítima de um atentado em 1976.

Zuzu foi casada com o americano Norman Angel Jones, com quem teve os filhos Hildegard, Ana Cristina e Stuart.

A grande amiga

Elke Maravilha foi uma das principais amigas e modelos de Zuzu Angel. Participou do primeiro desfile em Nova York, em 1970, e denunciou os abusos do governo militar ao lado da estilista.



Zuzu e as famosas

A mineira Zuzu Angel tinha clientes na nata da sociedade carioca e também em Hollywood, como as atrizes Joan Crawford, Liza Minelli e Kim Novak, que se apaixonaram pela moda original e colorida da estilista. No Brasil, atrizes como Dina Sfat, Bibi Ferreira, Isabel Ribeiro, Marieta Severo, Joana Fomm e a cantora Beth Carvalho vestiam as criações de Zuzu.



A jornalista Hildegard Angel posa, no início dos anos 70, com acessórios feitos com as estampas criadas pela mãe. Com a indenização que recebeu pela morte de Zuzu, criou, em 1993, o Instituto Zuzu Angel para formação de profissionais de moda.

Zuzu e a filha Ana Cristina Angel Drone, que cantou no desfile-protesto que a mãe fez no Consulado Brasileiro, em Nova York, em 1971. Atualmente Ana Cristina vive nos Estados

O martírio da mãe

Stuart Jones, filho da estilista Zuzu Angel, foi preso na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, em 14 de maio de 1971. Ele tinha 24 anos e era militante do grupo de esquerda MR-8. A partir desse dia, Zuzu começou uma peregrinação por quartéis e gabinetes em busca de notícias do filho, mas ninguém dizia nada. A mãe soube o paradeiro do filho alguns meses depois, quando teve acesso ao depoimento de Alex Polari, também preso político e testemunha do sofrimento de Stuart. "Ele foi arrastado de um lado para o outro, seu corpo esfolado, amarrado a um jipe (...) forçado a aspirar os gases tóxicos do veículo, com o cano de descarga enfiado na boca". Com o coração dilacerado, a estilista enviou uma carta ao general Ernesto Geisel, que tinha se tornado presidente. "Agora, sinto que posso acalentar uma triste e pobre esperança: saber ao menos onde está o corpo do meu Stuart. Rogo, assim, à Vossa Excelência, mandar apurar o que ocorreu. Meu filho era moço, idealista, morreu como um cão. Quero dar-lhe um enterro de gente", escreveu. Desde então, Zuzu Angel passou a vestir-se de negro, com um xale de longas franjas, uma echarpe de organza cobrindo os cabelos, um colar com um anjo de biscuit rodeado de flores. Na cintura, muitas cruzes, medalhas e patuás, símbolos de seu martírio de mãe. Fez de seus modelos cartazes de denúncia e também acabou morta pelos militares sem nunca conseguir enterrar o filho.


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